Contrapesos comunitários e transparência: Pontos de Cultura em Caravana no México
- Pablo Lopes
- 29 de abr.
- 5 min de leitura
Atualizado: 1 de mai.

Neste mês de abril, o mundo experimenta a potência do encontro. Pontos de Cultura e gestores culturais comunitários da América Latina e Ibero américa se reúnem para compartilhar experiências e, principalmente, repensar o futuro.
Dois eventos sobre Cultura Viva Comunitária acontecem no México. O primeiro, na capital do país, é o Seminário Internacional Cultura Viva Comunitária: Uma Escola Latino-Americana de Políticas Culturais, realizado pelo Instituto Latino-Americano de Cultura Viva Comunitária e pela Rede de Gestores Culturais – RGC, de 08 a 10 de abril.
Numa estrutura acadêmica, a programação do seminário contou com mesas de debate, rodas de conversa, palestras e conferências.
Inspirada pela noção de comunidade como categoria viva — conforme defendido pelo professor e antropólogo Néstor García Canclini na conferência de abertura intitulada “Desafios da Cultura Viva Comunitária: dos diálogos com instituições às plataformas digitais” — a Cultura Viva Comunitária se expande ao se relacionar com o mundo.
O segundo encontro ocorre na província de Michoacán, na cidade de Cherán, onde o Movimento Latino-Americano de Cultura Viva realiza o 6º Congresso Latino-Americano de Cultura Viva Comunitária com o tema Cuidar do Comum, para defender a vida.
Ambos os encontros dilatam a noção de Cultura Viva, dando vida ao próprio sentido da categoria. Viva, a Cultura Viva se transforma, relativiza-se e se distancia de conceitos estruturalistas. Nesse processo, as demandas, os conflitos e as inteligências das comunidades que operam essa noção de cultura no mundo da vida criam significados próprios do que ela vem a ser.
Por isso, a Cultura Viva se tornou uma política pública constantemente revisitada e experimentada em vários países. Utiliza-se justamente por sua capacidade de transformar o próprio sentido de política cultural.
Apesar das disputas, a Cultura Viva Comunitária não possui dono.
No encontro, o conflito parece ser inerente à própria vida social. Porém, até quando esse conflito é saudável? Quais os limites do confronto, para que, em vez de produzir um movimento de continuidade, ele não alimente uma dinâmica de desagregação comunitária? A velha máxima de que tudo que é sólido se desmancha no ar parece atual.
O certo é que, nas comunidades que experimentaram a Cultura Viva Comunitária como rede de vida em conexão, estabeleceu-se imediatamente um entendimento maior sobre si e um distanciamento de cálculos externos que dizem o que funciona ou não. Receita não há.
Os contrapesos comunitários servem para prevenir práticas ainda colonialistas no campo da política cultural, garantindo a permanência e a continuidade da vida que cria e é criada. Para além de um conceito categórico, a Caravana da Cultura Viva Comunitária no México reafirma a necessidade de mudança.
Cherán K’eri: lição de transparência

O VI Congresso Latino-Americano de Cultura Viva Comunitária – CVC – teve como sede a província de Michoacán, em Cherán K’eri, localizada a pouco menos de 400 km da Cidade do México.
Cherán K’eri é uma comunidade indígena que, em 2011, se rebelou por meio do "levantamiento de Cherán". Liderado por mulheres da cidade, o levante expulsou os madeireiros que estavam derrubando as árvores dos bosques, os narcotraficantes, a prefeitura, a câmara de vereadores e a polícia — herança direta do cardenismo.
Esse levante estabeleceu um modelo de gestão comunal. Organizados em assembleias, os moradores dos quatro bairros acolhem propostas, elencam uma agenda pública e se organizam num modelo de governança nunca antes visto. Essa forma de gestão perdura até hoje.
Consequências: os bosques voltaram a florescer; as violências resultantes do tráfico são inexistentes.
Há 14 anos, Cherán elege um conselho de 12 pessoas, o "K’eri Jánaskakua", por meio de um ritual com cerca de 180 fogueiras comunitárias espalhadas pelos quatro bairros. Desde 2011, o Terceiro Conselho (Conselho de Anciãos, Conselho Superior, Consejo Mayor – K’eris) é escolhido por esse ritual de representação que envolve todos os membros da comunidade local.
Outros órgãos representativos incluem um conselho de jovens, um conselho de mulheres, conselhos de bairro e um conselho de território comunitário, voltado para o desenvolvimento da economia local.
Na teoria política, esse modelo pode ser chamado de democracia direta. Porém, esse ritual de legitimação do poder vai além da conceituação teórica. Existe uma empiria acessível no cotidiano, em qualquer conversa com quem faz parte da comunidade. Nela, a consciência do que acontece nas instâncias locais de poder é precisa. Existe transparência.

Para além das noções de poder vinculadas à coerção, à vigilância ou ao vilipêndio, a experiência em Cherán apresenta outra dimensão de poder na vida comunitária.
Infelizmente, a burocracia criada e operada no VI Congresso CVC não aprendeu nada sobre a cultura política local.
O congresso reproduziu velhas práticas de violência institucional, agindo como um pequeno Estado, no qual se coloca como centralizador das agendas e impulsionador de confusões – de forma intencional ou não. Com uma programação descontinua, os dias foram longos e sem conhecimento prévio do que aconteceria. Sem uma agenda mínima, o encontro ficou inóspito e hostil. Faltou arte e principalmente, diálogo.
A experiência do Grupo Impulsor no México, com o aval da Equipe de Acompanhamento Continental, criou uma burocracia interna que apenas eles compreendem a sua dinâmica, distanciando principalmente os mais jovens que pela primeira ou segunda vez participava do Congresso.
A comunicação, quando muito, acontecia apenas para comunicar o já decidido pelos expertos. Um modelo de organização estatal autocrático, sem transparência. Um amigo brasileiro no congresso chamou isso de esquizofrenia.
Não é fácil conduzir um evento desse porte com tantas adversidades. Pero, impor a agenda do que tem que ser pautado nos Círculos de Palavra - instância que em tese, depois de dirimida em um pequeno grupo, apresenta pautas à plenária para votação -, num movimento violento, não corrobora com a cultura viva comunitária. Pelo contrário, distancia as pessoas. Sem um estamento preciso, o VI CVC ficou conhecido por suas violências institucionais.
Qualquer vocação de construir o comum, a coletividade — que seja, de fato, para o tal do bem viver — deve passar pela lição que Cherán inspira.
Sem transparência, não há comunitário!

Cultura Viva Comunitária feita com e para os jovens
Neste momento em que se encontra a Cultura Viva Comunitária na América Latina, qualquer futuro que a cultura possa anunciar passa pelas e pelos jovens.
Que o VII Congresso de Cultura Viva Comunitária, a ser realizado na Colômbia em 2026, tenha o cuidado e acolhimento com quem chega, com a juventude. Sem os jovens, o CVC pode se tornar apenas um tempo de nostalgia — e não de transformação.
Pablo Lopes
Cria da Ceilândia-DF e dos Pontos de Cultura
Antropólogo e Gestor Cultural Membro do Instituto Cultural e Educacional Bernardo Elis para Os Povos do Cerrado - Icebe, na cadeira de Humberto Crispim Borges
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